21.9.10

volante: processo




Ele está com o coração apertado. Ela nem desconfiava disso. Antigamente, ela pensa consigo mesma, sem que precisassem dizer, ela sabia o que se passava no coração dos outros. Era seu talento especial: meegevoel, sentir-conjunto. Mas não mais, não mais! Ela cresceu; e ao crescer, endureceu, como uma mulher que nunca é tirada para dançar, que passa as noites de sábado esperando em vão num banco no salão da igreja, que no momento em que algum homem se lembra das boas maneiras e lhe estende a mão, perdeu todo o prazer e só quer voltar pra casa.

J.M. Coetzee, Verão, 2009

20.9.10

Projeto Volante em Porto Alegre


O Projeto Volante foi uma das iniciativas convidadas a participar do XXIV Festival de Arte Cidade de Porto Alegre, que irá acontecer entre 4 e 8 de outubro de 2010.
A primeira edição do Projeto Volante aconteceu em 2009 no Sesc Pompeia em São Paulo, como uma forma de dar visibilidade à produção do Ateliê de Gravura do Sesc e como uma ação reflexiva e crítica à ausência de espaços na instituição para que esta produção seja mostrada e discutida. Nesta ocasião, os artistas e gravadores participantes do ateliê desenvolveram imagens utilizando xilogravura, carimbo, tipografia, entre outros meios, elaborando aproximadamente 36 imagens de tiragens variadas, o que originou cerca de 1200 estampas. Estas estampas foram distribuídas no Sesc Pompeia e posteriormente ganharam as ruas e outros espaços da cidade de São Paulo. Além da produção distribuída ocasionalmente em ações coletivas, foram resguardados alguns conjuntos contendo uma coletânea completa das imagens produzidas para doação a acervos de outros ateliês da cidade.
Para o XXIV Festival de Artes de Porto Alegre, o Projeto Volante propõe a produção de volantes com artistas e gravadores locais, valendo-se de uma reflexão sobre o volante e das técnicas de gravura em relevo para reprodução e posterior distribuição gratuita destas estampas pela cidade, abrindo espaço para um debate sobre os caminhos da gravura contemporânea, propostas artísticas coletivas, e a cidade como laboratório para o desenvolvimento de ações.
Somada à produção a ser realizada durante o Festival, estarão os volantes produzidos anteriormente no Ateliê Livre do Sesc Pompeia em São Paulo e de outros ateliês e artistas gravadores da cidade convidados a integrar esta ação, estabelecendo assim, além de um intercâmbio de experiências entre os ateliês e suas práticas, um diálogo entre as produções realizadas pelos artistas que freqüentam estes espaços.


Sobre o Projeto
Do surgimento da gravura no ocidente, em meados do séc. XIV, emerge uma verdadeira revolução, que talvez, só encontre precedentes na invenção da escrita. É o ponto de partida para a veiculação de informação (texto e imagem) de toda e qualquer natureza em ampla escala, das cartas de baralho aos tratados de anatomia.
Em meio a esse turbilhão se dá o surgimento do volante, impresso barato, quase ordinário, mas meio eficaz de circulação de informação, usual ainda nos dias atuais. De suas muitas definições ¹: "que voa ou tem a capacidade de voar"; "que não é fixo", "que flutua", enfim, que tem na mobilidade, sua natureza.
O eixo deste projeto propõe uma reflexão acerca desse meio, hoje marginalizado, devido as muitas ofertas de veiculação de informação, e a associação tão comum que fazemos do volante a propaganda barata, reconfigurando seus usos correntes e o inserindo no campo artístico, como instrumento poético. Mesmo frente a outros meios de reprodução mais rápidos, e até certo ponto, mais eficazes, a produção dos volantes utilizando procedimentos tradicionais da gravura em relevo vem reafirmar suas qualidades singulares enquanto linguagem, e sua validade enquanto instrumento de manifestação nas artes visuais.
Embora sua natureza múltipla conduza a estampa a inúmeros lugares, suas inserções no campo artístico, quase sempre tendem mais a afastar do que promover uma aproximação entre uma experiência visual e um possível interlocutor. Dessa forma este projeto abre um ponto de diálogo com a própria natureza da gravura e sua história: recoloca a estampa e o volante em mobilidade, sua razão de ser, seu caráter mais íntegro. Faz dessa revisão, uma reflexão sobre os formatos e espaços de apresentação da gravura e sobre as possibilidades de assumir novas roupagens.
Ainda assim, o volante por si só não basta. É em sua imagem/mensagem que ele deve ser potencialmente instigador, capaz de vivificar seu interlocutor pela experiência visual e causar uma experiência contrária a banalidade do volante comercial, facilmente descartável. O volante deve abrir um nicho nas ações cotidianas, no trajeto do passante, na visualidade muitas vezes opressiva dos grandes centros urbanos, e permitir, ou gerar espaço para uma pequena revelação.


Cleiri Cardoso
Marcelo Heleno
Paula Ordonhes
Sérgio Antunes Kal